segunda-feira, 26 de setembro de 2011

De Heron Sena a Rilza Valentim


Falta o cristão
Aprender com São Francisco
Falta tratar
O nordeste como o sul
Falta outra vez
Lampião, trovão, corisco
Falta feijão
Ao invés de mandacaru

Heron Sena com aquele sorriso fofo poderia falar sobre o que quisesse que eu curtiria (rsrsrs), mas ele falando sobre os estereótipos e preconceitos que constroem a tal baianidade é ainda mais interessante. Super concordo com tudo, não há mais espaço para afirmações como que baiano é preguiçoso ou que só queremos saber de festa. Essa é uma questão econômica, de poder produtivo e financeiro, mas que se reflete e se sustenta no campo simbólico, na cultura, no que se ouve, se fala, se veste, se come etc . Se não desconstruirmos essas idéias continuaremos como os primos pobres no Brasil.

É fato que o nordeste é simbolicamente diminuído desde sempre e que paulistas e sulistas em geral sempre fizeram questão de dizer que é a economia deles que sustenta o país, suas industrias, plantações e comércio, sendo assim é muito significativo poder jogar na cara o desenvolvimento econômico de São Francisco do Conde, do Vale do São Francisco , do Pólo Petroquímico ... mas o que o Estado tem feito com esse crescimento, com todo o dinheiro arrecadado? Qual tem sido a parte da população no bolo? Nem o nosso governador gaucho, nem os prefeitos, na sua maioria da terra, tem feito muito.

São Francisco do Conde é o maior exemplo desse contra-senso , tendo o maior PIB do país, graças a produção e refino de petróleo na região pela Petrobrás tem um dos menores IDH’s do país, os dados do último censo realizado pelo IBGE em 2000, mostram que a população do município acima dos 10 anos apresentava uma taxa de analfabetismo de 15,9%, a região em volta da sede do município em sua maioria não tem esgoto ou água encanada. Enquanto a população passa por tanta escassez os políticos enriquecem, como a atual prefeita do município Rilza Velentim que ficou conhecida como a mulher elástico de São Francisco do Conde, segundo a Controladoria Geral da União e o Ministério Público teve seu patrimônio aumentado em 900%. Segundo reportagens da época houve desvio de verbas da educação entre 2001 e 2003 enquanto ela era Secretaria de Educação.

Vídeo mostra matérias em programas como Bahia meio dia e Fantástico sobre o desvio de verba:


Enquanto as cidades do interior de SP tem níveis de vida comparáveis a cidades européias São Francisco do Conde e outras cidades nordestinas não recebem pelo capital que geram, outro exemplo são as cidades de Juazeiro e Petrolina que nem consomem as frutas plantadas no Vale do Rio São Francisco, a produção é quase que toda exportada. Não comemos a fruta boa, nem recebemos o valor da venda. É preciso cobrar, se engajar e se lembrar sempre dessas coisas porque só com luta popular pra mudar todo o peso simbólico sobre nós nordestinos e toda exploração que sofremos desde o inicio do Brasil como parte do mundo Ocidental.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Voltei!!!

Oi amigos, estou voltando a escrever nesse blog. A partir de agora toda terça haverá texto novo, prometo, quando estiver realmente sem tempo postarei textos interessantes de outras pessoas, mas toda semana vai ter coisa nova.
Esse texto foi publicado também em outro blog que estou alimentando com amigos agora para um disciplina www.entre-clicks.blogspot.com. Adianto que o tema fotojornalismo tem me encantado nos últimos tempos, então, esse deve vir a ser um tema recorrente. =D

Manipulação de imagem no fotojornalismo

A busca pela verdade é um tema sempre presente quando se fala em jornalismo, e isso é ainda mais latente quando o assunto é o fotojornalismo já que no imaginário coletivo a fotografia é um recorte, um pedaço do real. A fotografia surge nos diários como ferramenta para dar credibilidade à história contada. Entretanto com a criação de programas cada vez mais sofisticados de edição e tratamento de imagens essa confiabilidade da fotografia tem sido posta em dúvida.

O uso do photoshop e outros programas de edição acabou se tornando um debate ético por um lado e estético por outro. Segundo Carol Lopes, pós produtora do coletivo Cia de Foto o seu trabalho de tratamento, e dos meios de comunicação em geral, é semelhante a dos laboratoristas antes dessa era digital, nunca existiu foto não manipulada depois do clique. Contudo hoje há a possibilidade de se construir imagens, o que é considerado antiético no meio jornalístico. Após o caso de manipulação em fotos da guerra entre Líbano e Israel feita pelo freelancer Hajj em 2006 a Reuters divulgou em seu blog Regras e parâmetros de manipulação de imagem, segundo David Schlesinger, editor chefe entre 2007 e 2011, não é permitido adicionar ou deletar elementos que alterem o sentido da fotografia, uso exagerado de efeitos de iluminação e efeitos borrados ou manipulação de cor. Percebe-se que tudo depende do bom senso de quem trata as fotos, o que é ou não ruído na foto, em que ponto há ou não excesso de iluminação ou contraste. As fotos que levaram ao desligamento de Hajj com a agência foram:






O fotógrafo foi acusado por alterar as fotos para defender o Líbano fazendo parecer que havia mais mísseis e aumentando o contraste da foto para escurecer a cortina de fumaça.

Um outro lado da questão é que ao passo que artigos de opinião e textos mais analíticos ganham espaço nos grandes jornais já que o factual, a matéria quente acaba sendo publicada na internet, a fotografia jornalística também caminha para um caráter mais autoral, onde ao lado da informação está a marca e o posicionamento ideológico do repórter já que qualquer um hoje faz flagrantes até com câmeras de celular. Esse caráter autoral está presente no tratamento dado a foto a partir dos recursos tecnológicos como photoshop , mas também do próprio olhar do fotografo. Em entrevista ao Jornal da Unicamp o doutorando Celso Bodstein fala da sua tese “A Ficcionalidade do Fotojornalismo”, defendendo que o tratamento das imagens deve dar um aspecto cada vez mais artístico a fotografia, ele fala em fotojornalismo opinativo em que o caráter estético da foto passa a ser cada dia mais valorizado. Como exemplo o autor fala de uma foto publicada pela fotojornalista Marlene Bergamo, na Folha de São Pauloem 2001 “Depois de registrar o corpo de uma vítima de assassinato na periferia de São Paulo, ela lançou mão de um software para dar um tom avermelhado ao céu mostrado na fotografia, posicionado em segundo plano em relação ao cadáver”, dando assim mais dramaticidade a foto, a empresa não considera a manipulação anti-ética e sim artística.

O assunto ainda é polemico e a única coisa que fica claro é que por mais regras e diretrizes existentam o profissionalismo e bom senso do fotojornalista e do meio para qual trabalha ainda é o maior parâmetro tanto para o momento da fotografia em si tanto para a manipulação da imagem na pós produção.

http://blogs.reuters.com/blog/archives/4327

http://ecodanoticia.net/phpBB3/viewtopic.php?f=11&t=5043

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/realidade-e-criacao-na-era-do-photoshop

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/realidade-e-criacao-na-era-do-photoshop

http://holofote.net/holofote-videos/materias-e-estudos/escandalo-no-fotojornalismo-imagens-manipuladas-e-encenadas/

http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/DPR46152cf32bf35_1.pdf

http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju334/pag12.pdf

http://www.youtube.com/watch?v=04TKBSufmdY&feature=related

http://www.elmundo.es/elmundo/2010/01/20/comunicacion/1263988834.html

http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/bbc/2009/10/23/ult2242u1993.jhtm



domingo, 12 de setembro de 2010

Colaboração....

Li o texto de um colega que falava sobre amar ao próximo como a si mesmo, ele constatava a realidade cada vez mais individualista da nossa sociedade e o enfraquecimento do principal mandamento cristão. Estou escrevendo esse texto para defender uma tese que a muito martela em minha mente. Precisa realmente ser assim? Os economistas, sociólogos, etc. liberais e capitalistas baseiam seu discurso dizendo que só chegamos ao nível de "desenvolvimento" em que estamos graças a competitividade, sem ela não haveria porque produzir coisas melhores. Fazemos o melhor para passar na frente dos outros e garantirmos nossa sobrevivência da melhor forma possível. Minha idéia é que essa é uma falácia de pessoas egoístas, penso em uma sociedade não competitiva mas sim colaborativa. Yochai Benkler fala sobre isso através da internet, mas meu pensamento vai muito além. Desejo um mundo sem bolsa de valores, sem inflação, com uma ideia de hierarquia e valorização do trabalho completamente diferente ( quadro que não cabe aqui senão vou perder totalmente o foco), outra relação com o conhecimento, com a tecnologia, com o dinheiro, com Deus... Até as religiões parecem se esquecer de pensar o coletivo. Aliás o que aconteceu com o consciente coletivo? Serviu apenas para manter preconceitos e barreiras entre as pessoas?

Voltando a falar dos dois sistemas de ação humana. O sistema de competitividade se baseia na idéia de que nos aperfeiçoamos, nos esforçamos para criar coisas melhores para sermos assim os melhores entre os pares e receber a recompensa por isso, mas essa idéia se alicerça na verdade no uso do instinto humano, na necessidade animal de ser o melhor para sobreviver, ser chefe do bando, se alicerça no que temos de pior A vaidade.

Contudo, os seres humanos de forma geral tem também necessidade de fazer parte de algo, ser peça no todo, construir em conjunto. Quem já produziu algo em equipe e se sentiu importante não só para aquele fim mas também pra todos que estavam ao seu lado no processo sabe do que falo. É assim que nossa sociedade poderia estar mais "desenvolvida", porque não haveria tantas sabotagens, nem espionagem industrial. Digo mais, provavelmente estaríamos "desenvolvidos" de forma sustentável já que o lucro pelo lucro não faria sentido. O sistema capitalista, maestro em se adaptar, já percebeu o poder do trabalho colaborativo, a importância de um conjunto harmônico e de funcionários felizes, mas claro, oferecendo Yoga todas as manhã aos empregados, mudar a estrutura de lucro ninguém quer.

Becker enxerga os avanços tecnológicos como caminho para formação de uma sociedade mais igualitária, contudo e infelizmente sou cética quanto a isso, creio que é preciso muito mais, é preciso uma mudança geral de valores, e principalmente de ações, não é necessário uma nova forma de governo, desde que o Estado faça seu papel como deveria. A questão é a Economia, hoje ela é que comanda todas as outras ciências e relações e é justamente isso que tem que mudar, a economia deve ser ferramenta, as relações humanas devem ser a prioridade, não as relações comercias ou monetárias de forma geral.

Pretendo desenvolver mais as idéias expressas nesse texto. Aqui deixo o gostinho e a esperança de que alguém leia e pense também sobre isso e quem sabe me ajude a formar esse pensamento.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Resenha do Filme The Edukators

Todo coração é uma célula revolucionaria.

Os alimentos produzidos só nos EUA acabariam com a fome do mundo por 50 anos. No continente africano 40% das crianças nascidas morrem antes do 1º ano de idade. Na Tailândia, um funcionário ganha 35 euros por mês trabalhando muitas vezes em jornada dupla, para produzir artigos da Puma. No Brasil mais de 5 milhões de jovens entre 5 e 17 anos de idade trabalham.

Não é questionável que vivemos em mundo injusto, isso é fato. Mas o que fazer? De quem é a responsabilidade? O filme The Edukators (2004), do diretor austríaco Hans Weingartner traz paralelamente a uma história típica de triangulo amoroso temas e reflexões que tem feito falta nas salas de cinema, de aula e em todos lugares.

Os "educadores" são Jan ( Daniel Brühl) e Peter ( Stipe Erceg), dois jovens acima de tudo revolucionários e insatisfeitos com o sistema que rege nosso cotidiano. Além das manifestações mais comuns como panfletagem ( há uma cena em que eles fazem propaganda contra a super-exploração de trabalho no 3º mundo na produção dos produtos de marcas européias), eles agem invadindo casas de Magnatas e tirando tudo do lugar em uma ação que nos remete ao terrorismo poético, embora não aja preocupação estética por parte dos dois. Seu objetivo é horrorizar os milionários. Eles nada roubam e deixam um bilhete:" Seus dias de fortuna estão contados". O conflito do filme se inicia quando Julia, namorada de Peter, garota indecisa, sem grandes marcas, acaba por se aproximar de Jan enquanto o namorado esta fora, e descobre tudo sobre "Os educadores". Julia se envolveu em um acidente de transito a tempos atrás e trabalha quase que somente para pagar sua dívida com um milionário, Hardenberg (Burghart Klaußner), Jan não vê sentido naquilo e mostra a ela uma razão para lutar. Julia o convence a invadir a casa do magnata a quem deve, porém algo sai errado e eles não obrigados a sequestrá-lo. A partir daí uma cabana onde os quatro são obrigados a conviver se torna palco para o conflito amoroso entre Peter, Julia e Jan e reflexões primorosas.

Entre todos os pontos abordados pelo filme podemos citar o debate sobre de quem é a culpa pela desigualdade social no mundo. O Magnata diz que não foi ele que inventou o sistema, que se ele trabalha, ele lucra. Peter é categórico em sua resposta inspiradora: "O que importa não é quem inventou a arma, mas quem puxa o gatilho". Impossível não pensar em outras vozes enquanto se assiste o filme. Milton Santos quando fala da competitividade, não quer mais do que mostrar como a lógica capitalista se infiltra em todos nós, passamos a nos considerar peças que não podem fazer nada além de se deixar mexer. Essa é a justificativa dos poderosos para manter o estado atual das coisas.

Outro ponto importante é o que é a revolução hoje. Na pós-modernidade não há espaço para a luta contra a macro- estrutura? Fica a cargo do terceiro setor minimizar os danos da política capitalista? Embora não traga de forma clara essas perguntas, Jan questiona se revolução é comprar uma camisa do "Che" , afirma que as pessoas estão ocupadas demais com a TV para se preocupar com mudanças. Não há mobilização, não há consciência.

O Magnata lembra de 68. Embora tenha sido um movimento burguês, foi um movimento. Onde estão aqueles jovens? No Brasil procuramos os revolucionários, aqueles que lutaram contra uma ditadura militar sangrenta e encontramos muitos deles em cargos políticos sendo corruptos ou ajudando a instaurar a ditadura do capital, do consumo. Será que a mudança é apenas utopia? Só cabe aqueles sem obrigações familiares ou profissionais? Aceitar as coisas como estão antes dos 30 é não ter coração, depois é ter juízo?

O filme não quer responder, ele quer questionar... Fazer pensar. Fazer pensar não só uma Alemanha que não sabe se valeu a pena comprar o "American way of life", mas fazer pensar o mundo, inclusive nós do "3º Mundo". Pode- se criticar a história dizendo que as ações dos Educadores não causam mudanças reais. Tirar coisas do lugar vai resolver algum problema? Eles vão mesmo convencer um milionário que para ele ter tanto muitos não tem nada? A resposta é não, mas alguma semente é plantada, na esperança de que "todo coração seja uma célula revolucionaria".

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Fala

Dizem que quem fala demais não ouve, não aprende
Só falo porque ouço
Se não ouvisse não falaria, não saberia como.
Se parasse de ouvir não teria mais como falar
Falaria sempre as mesmas coisas.

Penso no que falo, falo o que penso
Quero que me ouçam, ouço o que querem e as vezes o que não quero

Falar quer dizer dar palavras a alguém, um presente
De tróia? Pode ser.
Talvez de amor
Escrever?
Prefiro falar, ouvir a própria voz
Quem fala discute na hora, fala, refala, de forma natural, sem as amarras de tantas normas.
Falo de carinho, de tristeza
Reclamo e Glorifico
Vivo falando.

Ninguém quer trepar com Joana D'arc - Uma resenha do filme "Que bom te ver viva" de Lúcia Murat

Prometo não postar mais textos tão longos...


Lúcia Murat é jornalista, cineasta, militante e mulher. Ela viveu na clandestinidade, foi presa e torturada com os métodos comuns as ditaduras da época "espancamentos generalizados, pau de arara, choques elétricos na vagina, na língua e pelo corpo, utilização de baratas vivas pelo corpo, e um estranho método de tortura sexual."¹ Em 1989 Lúcia lança "Que bom te ver viva", de seu roteiro e direção, onde se vê claramente seus sentimentos e idéias. O filme mistura depoimentos de ex- prisioneiras políticas com falas profundas e chocantes da personagem sem nome vivida por Irene Ravache. O documentário conta com o depoimento emocionado e revelador de oito mulheres, as quais sofreram tortura durante o período militar, sete falaram de forma direta com o enquadramento semelhante ao de retrato 3x4 e uma deu seu depoimento em forma de carta, entre as falas mostra-se manchetes da época e imagens de celas. Lúcia foi anistiada em 1979, mas ficou o problema de sensibilidade na perna, entre outras tantas marcas.

São essas outras marcas, as que não são tão descritíveis quanto a violência física que "Que bom te ver viva" vem nos trazer, mostrar a "vitória" de manter a sanidade depois de tudo. Quais são as dúvidas, as dores e as violências que essas mulheres sentiram e sentem depois do DOI-CODI? Como é a "nova" vida, o continuar com lembranças tão duras? Como se comportam a família, a sociedade?

Uma questão é presente na fala de praticamente todas entrevistadas. Por que eu sobrevivi e outros companheiros e companheiras não? Junto com essa pergunta há o sentimento de dor pela perda e um sentimento de culpa, culpa por estar viva, culpa por ter, quem sabe, delatado companheiros vivendo assim " a degradação quanto ser humano" como diz Maria Luiza. Se por um lado tem- se a força da ideologia, a fé de que se estava lutando por algo maior esbarrava no sofrimento.

Um momento importante do filme é quando a personagem de Irene Ravache questiona a carga negativa que continua pesando sobre ela. Ela continuava sendo a terrorista e seu torturador, o Médico. Critica a imprensa e seu discurso hegemônico de verdade única da ciência, do que se diz racional, brincando com o que se diria sobre os médicos que levaram ao extermínio judeus na 2ª guerra Mundial. Outra imagem que pesa sobre as presas políticas é a de mártir. "Ninguém quer trepar com Mártir, com Ave Maria, quem quer trepar com Joana D'arc?". Além disso a negação dos outros ao prazer sexual da mulher depois dos estupros, como se ela não tivesse mais esse direito. Esperasse que ela se sinta eternamente marcada. cria- se um tabu em cima disso. Cria- se um tabu em cima de muitas coisas.

Estrela Bohadana, uma das entrevistadas, conta que não se deve falar sobre a tortura, é um assunto não tocado na família, pois incomoda. As pessoas não querem ouvir como elas se sentem, essas pessoa se constrangem, querem que elas esqueçam trancando-as em solidão. Se as pessoas não desviam do assunto por constrangimento o fazem com desdém, como se o passado fosse algo ultrapassado, velho. A falta dos desaparecidos ainda é e sempre será latente pra elas, mas ao que parece de pouca importância aos outros, o filme questiona "quem vai ver um filme sobre tortura?"

Entre os traumas, além do medo de insetos, pesadelos, alucinações, enjôos fica o peso. As palavras usadas no documentário são " Eu não posso ser sacaneada sem pensar nisso", ou seja, elege-se torturadores por toda a vida. Ver o torturadores em todos os homens, não ter esperança e achar que o sofrimento voltará a qualquer momento, estar por muito tempo a beira da loucura. Essa é a realidade dessa e de outras tantas mulheres.

Elas apontam a maternidade como ponto chave do renascimento pós-torturas, realmente um resgate a vida, a idéia de que "eles querem acabar comigo, porém nasce mais um" como diz Jessie Jane. Maria do Carmo foi comandante de guerrilha, taxada de terrorista, contudo segundo ela, foi no parto que ela descobriu a "maravilha" de ser mulher, ela diz q os homens querem mandar no mundo porque a barriga deles só produz cocô, a nossa produz vida.

Outro ponto de semelhança entra as mulheres é a certeza de que nada deve ser apagado da memória, elas sofreram crimes que tem culpados, os quais devem pagar por eles. Elas lutaram por uma outra sociedade, uma melhor. Criméia de Almeida sobreviveu ao Araguaia, Jessie Jane sequestrou aviões, todas sofreram violência física, sexual e psicológica, tem a marca de serem acusadas de criminosas, mesmo sabendo que não eram, que não são. São heroínas sim, mas querem apenas ser gente. Quase 20 anos depois elas agem, lutam cada uma de sua forma, como historiadoras, educadoras, em grupos femininos de bairro, em partidos políticos, mas sem deixar de pensar no social, sem deixar de serem guerreiras.

Termino conectando a tristeza e o pessimismo da nossa personagem sem nome, que finaliza o documentário atrás das grades do seu apartamento em analogia com as grades da prisão se denominando um "cachorro ferido" com um trecho do texto de Cesar Kiraly sobre o filme: "Porque é na feminilidade, dilacerando-a, que a tortura realiza os efeitos mais nefastos, porque a tortura, historicamente defendida, atualiza uma estratégia de dominação sobre as mulheres e a expande para todos os cantos. A tortura se firma como um constrangimento público para se falar dela, tornando, como instrumento de sua instituição, a vítima em seu próprio algoz. Publicamente o torturado é interpelado como aquele que esconde os motivos que o levaram a ser colocado naquela posição. Resta um contínuo: “o que será que ela fez para merecer?” Mais ou menos como a antiga indagação acerca da responsabilização da alma por alguém ter nascido mulher."²

Link do filme:

ed2k://|file|Document%C3%A1rio%20-%20Que%20Bom%20Te%20Ver%20Viva%20-%20FILBRADOWN.blogspot.com,By%20Leal.AVI|713785084|8EC66706B17256FC969AAEC103F6624C|h=LXMRCKTMXSXXXCF7JT3IS3OSFSQSHX2S|/

1. Entrevista de Lúcia Murat á Revista Época http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT935838-1655,00.htm

2. Texto do sociologo Cesar Keraly à Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16433&editoria_id=5

Fotos: http://www.taigafilmes.com/quebomte.html