sexta-feira, 9 de julho de 2010

Resenha do Filme The Edukators

Todo coração é uma célula revolucionaria.

Os alimentos produzidos só nos EUA acabariam com a fome do mundo por 50 anos. No continente africano 40% das crianças nascidas morrem antes do 1º ano de idade. Na Tailândia, um funcionário ganha 35 euros por mês trabalhando muitas vezes em jornada dupla, para produzir artigos da Puma. No Brasil mais de 5 milhões de jovens entre 5 e 17 anos de idade trabalham.

Não é questionável que vivemos em mundo injusto, isso é fato. Mas o que fazer? De quem é a responsabilidade? O filme The Edukators (2004), do diretor austríaco Hans Weingartner traz paralelamente a uma história típica de triangulo amoroso temas e reflexões que tem feito falta nas salas de cinema, de aula e em todos lugares.

Os "educadores" são Jan ( Daniel Brühl) e Peter ( Stipe Erceg), dois jovens acima de tudo revolucionários e insatisfeitos com o sistema que rege nosso cotidiano. Além das manifestações mais comuns como panfletagem ( há uma cena em que eles fazem propaganda contra a super-exploração de trabalho no 3º mundo na produção dos produtos de marcas européias), eles agem invadindo casas de Magnatas e tirando tudo do lugar em uma ação que nos remete ao terrorismo poético, embora não aja preocupação estética por parte dos dois. Seu objetivo é horrorizar os milionários. Eles nada roubam e deixam um bilhete:" Seus dias de fortuna estão contados". O conflito do filme se inicia quando Julia, namorada de Peter, garota indecisa, sem grandes marcas, acaba por se aproximar de Jan enquanto o namorado esta fora, e descobre tudo sobre "Os educadores". Julia se envolveu em um acidente de transito a tempos atrás e trabalha quase que somente para pagar sua dívida com um milionário, Hardenberg (Burghart Klaußner), Jan não vê sentido naquilo e mostra a ela uma razão para lutar. Julia o convence a invadir a casa do magnata a quem deve, porém algo sai errado e eles não obrigados a sequestrá-lo. A partir daí uma cabana onde os quatro são obrigados a conviver se torna palco para o conflito amoroso entre Peter, Julia e Jan e reflexões primorosas.

Entre todos os pontos abordados pelo filme podemos citar o debate sobre de quem é a culpa pela desigualdade social no mundo. O Magnata diz que não foi ele que inventou o sistema, que se ele trabalha, ele lucra. Peter é categórico em sua resposta inspiradora: "O que importa não é quem inventou a arma, mas quem puxa o gatilho". Impossível não pensar em outras vozes enquanto se assiste o filme. Milton Santos quando fala da competitividade, não quer mais do que mostrar como a lógica capitalista se infiltra em todos nós, passamos a nos considerar peças que não podem fazer nada além de se deixar mexer. Essa é a justificativa dos poderosos para manter o estado atual das coisas.

Outro ponto importante é o que é a revolução hoje. Na pós-modernidade não há espaço para a luta contra a macro- estrutura? Fica a cargo do terceiro setor minimizar os danos da política capitalista? Embora não traga de forma clara essas perguntas, Jan questiona se revolução é comprar uma camisa do "Che" , afirma que as pessoas estão ocupadas demais com a TV para se preocupar com mudanças. Não há mobilização, não há consciência.

O Magnata lembra de 68. Embora tenha sido um movimento burguês, foi um movimento. Onde estão aqueles jovens? No Brasil procuramos os revolucionários, aqueles que lutaram contra uma ditadura militar sangrenta e encontramos muitos deles em cargos políticos sendo corruptos ou ajudando a instaurar a ditadura do capital, do consumo. Será que a mudança é apenas utopia? Só cabe aqueles sem obrigações familiares ou profissionais? Aceitar as coisas como estão antes dos 30 é não ter coração, depois é ter juízo?

O filme não quer responder, ele quer questionar... Fazer pensar. Fazer pensar não só uma Alemanha que não sabe se valeu a pena comprar o "American way of life", mas fazer pensar o mundo, inclusive nós do "3º Mundo". Pode- se criticar a história dizendo que as ações dos Educadores não causam mudanças reais. Tirar coisas do lugar vai resolver algum problema? Eles vão mesmo convencer um milionário que para ele ter tanto muitos não tem nada? A resposta é não, mas alguma semente é plantada, na esperança de que "todo coração seja uma célula revolucionaria".

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Fala

Dizem que quem fala demais não ouve, não aprende
Só falo porque ouço
Se não ouvisse não falaria, não saberia como.
Se parasse de ouvir não teria mais como falar
Falaria sempre as mesmas coisas.

Penso no que falo, falo o que penso
Quero que me ouçam, ouço o que querem e as vezes o que não quero

Falar quer dizer dar palavras a alguém, um presente
De tróia? Pode ser.
Talvez de amor
Escrever?
Prefiro falar, ouvir a própria voz
Quem fala discute na hora, fala, refala, de forma natural, sem as amarras de tantas normas.
Falo de carinho, de tristeza
Reclamo e Glorifico
Vivo falando.

Ninguém quer trepar com Joana D'arc - Uma resenha do filme "Que bom te ver viva" de Lúcia Murat

Prometo não postar mais textos tão longos...


Lúcia Murat é jornalista, cineasta, militante e mulher. Ela viveu na clandestinidade, foi presa e torturada com os métodos comuns as ditaduras da época "espancamentos generalizados, pau de arara, choques elétricos na vagina, na língua e pelo corpo, utilização de baratas vivas pelo corpo, e um estranho método de tortura sexual."¹ Em 1989 Lúcia lança "Que bom te ver viva", de seu roteiro e direção, onde se vê claramente seus sentimentos e idéias. O filme mistura depoimentos de ex- prisioneiras políticas com falas profundas e chocantes da personagem sem nome vivida por Irene Ravache. O documentário conta com o depoimento emocionado e revelador de oito mulheres, as quais sofreram tortura durante o período militar, sete falaram de forma direta com o enquadramento semelhante ao de retrato 3x4 e uma deu seu depoimento em forma de carta, entre as falas mostra-se manchetes da época e imagens de celas. Lúcia foi anistiada em 1979, mas ficou o problema de sensibilidade na perna, entre outras tantas marcas.

São essas outras marcas, as que não são tão descritíveis quanto a violência física que "Que bom te ver viva" vem nos trazer, mostrar a "vitória" de manter a sanidade depois de tudo. Quais são as dúvidas, as dores e as violências que essas mulheres sentiram e sentem depois do DOI-CODI? Como é a "nova" vida, o continuar com lembranças tão duras? Como se comportam a família, a sociedade?

Uma questão é presente na fala de praticamente todas entrevistadas. Por que eu sobrevivi e outros companheiros e companheiras não? Junto com essa pergunta há o sentimento de dor pela perda e um sentimento de culpa, culpa por estar viva, culpa por ter, quem sabe, delatado companheiros vivendo assim " a degradação quanto ser humano" como diz Maria Luiza. Se por um lado tem- se a força da ideologia, a fé de que se estava lutando por algo maior esbarrava no sofrimento.

Um momento importante do filme é quando a personagem de Irene Ravache questiona a carga negativa que continua pesando sobre ela. Ela continuava sendo a terrorista e seu torturador, o Médico. Critica a imprensa e seu discurso hegemônico de verdade única da ciência, do que se diz racional, brincando com o que se diria sobre os médicos que levaram ao extermínio judeus na 2ª guerra Mundial. Outra imagem que pesa sobre as presas políticas é a de mártir. "Ninguém quer trepar com Mártir, com Ave Maria, quem quer trepar com Joana D'arc?". Além disso a negação dos outros ao prazer sexual da mulher depois dos estupros, como se ela não tivesse mais esse direito. Esperasse que ela se sinta eternamente marcada. cria- se um tabu em cima disso. Cria- se um tabu em cima de muitas coisas.

Estrela Bohadana, uma das entrevistadas, conta que não se deve falar sobre a tortura, é um assunto não tocado na família, pois incomoda. As pessoas não querem ouvir como elas se sentem, essas pessoa se constrangem, querem que elas esqueçam trancando-as em solidão. Se as pessoas não desviam do assunto por constrangimento o fazem com desdém, como se o passado fosse algo ultrapassado, velho. A falta dos desaparecidos ainda é e sempre será latente pra elas, mas ao que parece de pouca importância aos outros, o filme questiona "quem vai ver um filme sobre tortura?"

Entre os traumas, além do medo de insetos, pesadelos, alucinações, enjôos fica o peso. As palavras usadas no documentário são " Eu não posso ser sacaneada sem pensar nisso", ou seja, elege-se torturadores por toda a vida. Ver o torturadores em todos os homens, não ter esperança e achar que o sofrimento voltará a qualquer momento, estar por muito tempo a beira da loucura. Essa é a realidade dessa e de outras tantas mulheres.

Elas apontam a maternidade como ponto chave do renascimento pós-torturas, realmente um resgate a vida, a idéia de que "eles querem acabar comigo, porém nasce mais um" como diz Jessie Jane. Maria do Carmo foi comandante de guerrilha, taxada de terrorista, contudo segundo ela, foi no parto que ela descobriu a "maravilha" de ser mulher, ela diz q os homens querem mandar no mundo porque a barriga deles só produz cocô, a nossa produz vida.

Outro ponto de semelhança entra as mulheres é a certeza de que nada deve ser apagado da memória, elas sofreram crimes que tem culpados, os quais devem pagar por eles. Elas lutaram por uma outra sociedade, uma melhor. Criméia de Almeida sobreviveu ao Araguaia, Jessie Jane sequestrou aviões, todas sofreram violência física, sexual e psicológica, tem a marca de serem acusadas de criminosas, mesmo sabendo que não eram, que não são. São heroínas sim, mas querem apenas ser gente. Quase 20 anos depois elas agem, lutam cada uma de sua forma, como historiadoras, educadoras, em grupos femininos de bairro, em partidos políticos, mas sem deixar de pensar no social, sem deixar de serem guerreiras.

Termino conectando a tristeza e o pessimismo da nossa personagem sem nome, que finaliza o documentário atrás das grades do seu apartamento em analogia com as grades da prisão se denominando um "cachorro ferido" com um trecho do texto de Cesar Kiraly sobre o filme: "Porque é na feminilidade, dilacerando-a, que a tortura realiza os efeitos mais nefastos, porque a tortura, historicamente defendida, atualiza uma estratégia de dominação sobre as mulheres e a expande para todos os cantos. A tortura se firma como um constrangimento público para se falar dela, tornando, como instrumento de sua instituição, a vítima em seu próprio algoz. Publicamente o torturado é interpelado como aquele que esconde os motivos que o levaram a ser colocado naquela posição. Resta um contínuo: “o que será que ela fez para merecer?” Mais ou menos como a antiga indagação acerca da responsabilização da alma por alguém ter nascido mulher."²

Link do filme:

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1. Entrevista de Lúcia Murat á Revista Época http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT935838-1655,00.htm

2. Texto do sociologo Cesar Keraly à Carta Maior http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16433&editoria_id=5

Fotos: http://www.taigafilmes.com/quebomte.html